quinta-feira, 2 de agosto de 2012

The Devil's Rejects (2005)

Há quem diga, com nítido entusiasmo, que não passa seis meses sem comer uma caldeirada de peixe numa aldeola piscatória não sei onde, que só ele sabe. Ou que sempre que passa pelas Azenhas do Mar lá vai mariscada de bradar aos céus e ai Jesus que aqueles percebes sabem a mar – tudo a favor de mariscadas orgásticas (oh sim, mais, mais), mas o saborzinho ao vil oceano é epifania que dispenso (e julgo que de acordo comigo estará toda a infeliz alma que teve o infortúnio de levar com uma onda na tromba numa ida à praia em 1985). Por aqui, apesar do apreço pelo bom marisco e do respeitinho pelo mar bravio, os vícios são outros. E há que assumir um deles, sem pruridos: já há uns bons três meses que não vejo um filme com pacóvios americanos, gente com espaço entre os dentes à Nel Monteiro, higiene íntima digna de um Beato Salú e uma propensão para interagir sexualmente à bruta com membros da família. Dirão que não preciso de recorrer à cinematografia ianque, que basta ver a Liga dos Últimos. Concordo, tirando a parte do sexo, que nunca mostraram. Mas perdoem-me por preferir, ainda assim, a ficção. No que diz respeito à cinematografia de Rob Zombie, homem que não será estranho aos leitores deste mensário, sou um atraso de vida: dele vi, antes de mais, a recriação de Halloween (não estragou, o que já merece aplauso) e, por parvoíce, decidi assistir primeiro a Os Renegados do Diabo (The Devil’s Rejects, título original), estando ainda por perscrutar a película que lhe deu origem, A Casa dos 1000 Cadáveres. Se vos falar de «sequela», é porque – claramente – li na internet. Mas ainda assim manda a sensatez sublinhar que Os Renegados do Diabo, a segunda longa-metragem de Zombie, de 2005, é – de facto – a sequela de A Casa dos 1000 Cadáveres, levada à tela dois anos antes. Tal como no primeiro (dizem-me), no filme que aqui se disseca acompanhamos uma família de pacóvios de província com uma tendência irreprimível para limpar o sarampo a terceiros. Para quem não está a ver, imagine-se o clã Ronaldo se o rapaz não tivesse jeito para dar uns toques e pusesse a família toda a trabalhar para o Alberto João Jardim. Logo a abrir, para entretenimento generalizado, há uma troca de tiros entre a malta do xerife local e a pouco garbosa família Firefly, responsável por um número de desaparecimentos superior à conta-corrente do consórcio Pepe/Bruno Alves. O que se segue é um bem engendrado arraial de porrada criteriosamente distribuída, com gente duvidosa a enfardar de gente ainda mais duvidosa, intriga entre foras-da-lei, badalhoquice entre foras-da-lei e respectivos interesses femininos, tudo passado num muito amarelo final dos anos 70, onde badalhoquice, foras-da-lei e, sobretudo, interesses femininos são coisas boas que nunca ousaremos reprimir (e expressões que, obrigação contratual, somos forçados a repetir). Não é do nosso feitio revelar mais do que é preciso, mas importa deixar claro que não estranhamos a ausência de uma parte 3 da saga – e já lá vão sete anos. Uma terceira divisão, série B, voltará sempre lá para o outono num pelado perto de si; recuperar de um par de calibre 10 no lombo já não me parece tão fácil. A família Firefly não terá o instinto de sobrevivência da pandilha tresloucada que Robert Englund (sim, o Freddy Krueger) lidera em 2001 Maniacs, outro filme de «hillbillies» a merecer consulta («You are what they eat» é o mote), mas somos tentados a simpatizar com a alarvidade de Captain Spaulding, uma espécie de Manuel Moura dos Santos sem nada a perder. Sem esquecer que filme onde entre, nem que seja por segundos, Michael Berryman («antepassado» do ex-árbitro Pierluigi Collina) tem, imediatamente, a Ordem de Mérito do Cagaço por serviços prestados à carnificina mundial. E isto não é coisa pouca.

(publicado originalmente na edição de Julho de 2012 da revista Loud!)