No cinema americano dos anos 80, tal como no concurso 1, 2, 3, tudo era possível. Só que em vez de Renaults Super 5, PCs Wang e férias na Balaia, tínhamos computadores que compunham música para engatar miúdas, sereias muito parecidas com a Daryl Hannah, programas em linguagem Cobol capazes de criar clones da Kelly Le Brock, ou telefones ligados a computadores (coisa estranha!) capazes de, à custa de um engano, aquecer a Guerra Fria... A idade da oportunidade teve, porém, o seu revés: os nubentes a quem o Carlos Cruz agraciou com uma cozinha equipada estarão hoje a pagar cinco empréstimos (fora as custas do divórcio), a evolução tecnológica terminou – como se sabe – no Facebook, e o próprio Carlos Cruz, bem... No género mais propenso ao cagaço, a história não foi diferente – os Gremlins torraram tudo em Las Vegas e tomem lá miúdas sul-coreanas de cabelos negros escorridos à frente da face. Mas a memória – como a escoliose ou a sífilis – já ninguém nos tira e às vezes batem umas saudades valentes da inimputável ética de trabalho de um Chucky (já toparam a fixação, não?), a abnegação de um Maniac Cop, ou o plano sem margem de erro dos Killer Clowns From Outer Space (em bom português, S.O.S. Palhaços Assassinos). O sonho americano, a ilusão de que tudo era possível se a música fosse alegre, está presente numa das mais atípicas obras de George A. Romero (o papá dos mortos-vivos), uma película de 1988 intitulada Monkey Shines. É a história de Alan, um atleta subitamente paralizado a quem a vida volta a fazer sentido a partir do momento em que lhe é disponibilizado o serviço personalizado de uma ama. Romance no ar? Aguentem os cavalos: Ella, a ama prestável, é uma macaca. Pausa dramática. Mas é uma macaca obediente, treinada para a lida da casa. Suspiro de alívio. Ela acende luzes, põe discos a tocar, atende telefonemas – tudo com a empatia que Vicky, a Pequena Maravilha (outra mítica personagem não humana dos anos 80), nunca conseguiu mostrar. Só que Ella, macaquita capaz de desencadear na plateia uma sucessão de «ohhhs» e «aaahhs» de ternura, começa a sentir-se cada vez mais em casa (não se pode dar confiança à criadagem), mostra-se incomodada pelas visitas habituais de uma amiga mais íntima do seu «paciente», e a relação de poder que parecia imutável sofre, digamos, um pequeno abanão. Quando paramos para pensar por que razão estamos, em 2012, a ver um filme em que uma criatura simiesca ajuda um cidadão tetraplégico a dar cabo do que resta da sua vida, já os créditos finais nos alertam para o facto de o papel de Ella, a macaca, ser desempenhado por Boo, o macaco. Voltar a culpar os anos 80 é capaz de já não resultar...
Sem comentários:
Enviar um comentário