terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Monkey Shines (1988)

No cinema americano dos anos 80, tal como no concurso 1, 2, 3, tudo era possível. Só que em vez de Renaults Super 5, PCs Wang e férias na Balaia, tínhamos computadores que compunham música para engatar miúdas, sereias muito parecidas com a Daryl Hannah, programas em linguagem Cobol capazes de criar clones da Kelly Le Brock, ou telefones ligados a computadores (coisa estranha!) capazes de, à custa de um engano, aquecer a Guerra Fria... A idade da oportunidade teve, porém, o seu revés: os nubentes a quem o Carlos Cruz agraciou com uma cozinha equipada estarão hoje a pagar cinco empréstimos (fora as custas do divórcio), a evolução tecnológica terminou – como se sabe – no Facebook, e o próprio Carlos Cruz, bem... No género mais propenso ao cagaço, a história não foi diferente – os Gremlins torraram tudo em Las Vegas e tomem lá miúdas sul-coreanas de cabelos negros escorridos à frente da face. Mas a memória – como a escoliose ou a sífilis – já ninguém nos tira e às vezes batem umas saudades valentes da inimputável ética de trabalho de um Chucky (já toparam a fixação, não?), a abnegação de um Maniac Cop, ou o plano sem margem de erro dos Killer Clowns From Outer Space (em bom português, S.O.S. Palhaços Assassinos). O sonho americano, a ilusão de que tudo era possível se a música fosse alegre, está presente numa das mais atípicas obras de George A. Romero (o papá dos mortos-vivos), uma película de 1988 intitulada Monkey Shines. É a história de Alan, um atleta subitamente paralizado a quem a vida volta a fazer sentido a partir do momento em que lhe é disponibilizado o serviço personalizado de uma ama. Romance no ar? Aguentem os cavalos: Ella, a ama prestável, é uma macaca. Pausa dramática. Mas é uma macaca obediente, treinada para a lida da casa. Suspiro de alívio. Ela acende luzes, põe discos a tocar, atende telefonemas – tudo com a empatia que Vicky, a Pequena Maravilha (outra mítica personagem não humana dos anos 80), nunca conseguiu mostrar. Só que Ella, macaquita capaz de desencadear na plateia uma sucessão de «ohhhs» e «aaahhs» de ternura, começa a sentir-se cada vez mais em casa (não se pode dar confiança à criadagem), mostra-se incomodada pelas visitas habituais de uma amiga mais íntima do seu «paciente», e a relação de poder que parecia imutável sofre, digamos, um pequeno abanão. Quando paramos para pensar por que razão estamos, em 2012, a ver um filme em que uma criatura simiesca ajuda um cidadão tetraplégico a dar cabo do que resta da sua vida, já os créditos finais nos alertam para o facto de o papel de Ella, a macaca, ser desempenhado por Boo, o macaco. Voltar a culpar os anos 80 é capaz de já não resultar...

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