sexta-feira, 4 de maio de 2012

Mientras Duermes (2011)


Uma nota prévia: fôssemos nós realizadores de cinema e não hesitaríamos em recrutar Luis Tosar para abominar a vida da nossa delicada personagem-vítima (e afugentar os energúmenos que sobem as escadas do prédio à bruta de madrugada). Por isso, há que parabenizar o catalão Jaume Balagueró pela lembrança; Mientras Duermes é um «one man show» de Tosar que merece aplauso (e dentes cerrados para não borrar a cueca). Tosar, que aqui faz de César, porteiro de prédio, fere-nos de morte só com as sobrancelhas – e convenhamos que o poder de uma (quase) «monocelha» não deve ser menosprezado. Lembramo-nos dele, Tosar, como o marido violento de Te Doy Mis Ojos (de Icíar Bollaín) e ocorre-nos que César é essa mesma personagem, anos mais tarde, depois de tudo ter corrido (ainda) pior. Jaume Balagueró, o homem de Frágiles (com a Ally McBeal, caramba), Los Sin Nombre e Darkness volta a provar que é quando mais poupa em exteriores que as coisas lhe saem realmente bem – assim foi também em [REC], filme-catástrofe passado dentro de um bloco de apartamentos. Este apego ao terror caseiro começa-lhe, de resto, em Para Entrar a Vivir, uma das seis «películas para no dormir» que a nata do cagaço castelhano levou à televisão há uns anos. E no terror espanhol, esta vontade de ficar em casa também já foi amiga de Guillem Morales no excitante El Habitante Incierto com o qual este Mientras Duermes tem vários pontos de contacto. Tosar (ou César), já vimos, é um sinistro porteiro de prédio a fingir que é um tipo normal. Ora relativamente apreciado pelos habitantes (mas um pouco menos pelo senhorio), ora cordialmente ignorado, é um vigilante com funções alargadas (dá de comer aos cães da velhota, trata das canalizações) e um amor-próprio abaixo de zero que vai ruminando até transformar em revolta. Vive sozinho sem grandes pertences; a sua única confidente é a mãe, que está internada e não consegue falar. Primeiro pensamos que se trata de um tipo avariado, mas com hipótese de ter um fundo bom; depois percebemos que César é um psicopata que deseja, a toda a força, tomar posse de uma das habitantes do prédio, a jovem Clara: simpática, bonita, airosa, disponível, um pouco vulnerável. Para tal, engendra um esquema que lhe permite – não vamos dizer como – ter acesso ao reduto mais íntimo da rapariga (a cama) sem que ninguém (nem ela) saiba. Enche-lhe a casa de bichos (para, depois, colher os louros da desinfestação), infecta-lhe os cremes e as loções para que a moça desespere como comichões (e assim ter um motivo para se meter com ela), enfurece-se quando se apercebe que há um outro homem a disputá-la (com sucesso). A partir daí, como se costuma dizer por aqui, acontecem coisas. Balagueró consegue o improvável nestas aventuras do terror pica-miolos: não nos distrai com o que é acessório; vai completamente directo ao assunto, mostra-nos a abantesma no seu real esplendor. Os nossos olhos não se distanciam das sobrancelhas medonhas de César, das suas manobras truculentas, dos seus gestos obsessivos – é o tal «one man show» de que falávamos. O mesmo «show» que Tilda Swinton, do lado contrário da barricada, dá num certo filme temporalmente vizinho (mas que nós, pategos que somos, não achámos tão bom quanto se diz por aí). Precisávamos de ter falado sobre César, está mais do que visto.

Sem comentários:

Enviar um comentário