quarta-feira, 5 de junho de 2013

Tésis (1996)

Sejamos auto-referenciais, como qualquer película de terror que se preze: o Cagaço deste mês começa com a vossa vítima preferida a sair de um multíplex da capital, fim de tarde de domingo soalheira, com aquela sensação de «meh». Para trás, hora e meia de fantasia espanhola, enésima variação da fórmula «produzido/apresentado por Guillermo Del Toro», matiné para toda a família. Sublinhe-se que nada nos move contra o mexicano de El Laberinto del Fauno ou El Espinazo del Diablo, obras complementares com a Espanha fascista como pano de fundo; o «fantástico» no cinema espanhol dos últimos quinze anos deve-se, em boa medida, a ele e aos seus discípulos. E nós gostamos dessa fantasmagoria alternativa ao universo Disney, grande na pretensão e, quando a coisa corre bem, igualmente bem constituída no resultado. O filme em questão, Mama (entenda-se «mãezinha» e não um qualquer trocadilho à Cinebolso), não peca pela adopção da fórmula Del Toro (um universo infantil que vive à parte do mundo adulto), mas por pespegar-lhe a assombração insatisfeita do século XIX, alma penada pronta a acagaçar tudo o que se lhe puser à frente. Fluxo narrativo, reviravoltas para suspender a respiração ou, vá lá, saltos de fazer desregular a tripa – pouquito, fraquinho, «meh». A dramaturgia do cagaço espanhol nem sempre foi assim, fixada neste anódino estado de arte hollywoodesco – mais forma do que conteúdo, mais verniz do que carne. Nos mesmos anos 90 onde Guillermo del Toro deu o salto a Espanha para mostrar que a Guerra Civil Espanhola pode dar terror redentor, Aléx de La Iglesia perpetrava os seus «crimes ferpectos», destacando-se com o exagerado, delicioso, seminal El Día de La Bestia – o vão de escada (e o telhado!) da Madrid de Almodóvar. Em paralelo, Alejandro Amenábar pegava na herança do uruguaio Narciso Ibañez Serrador (cineasta bissexto e curiosamente, um dos criadores do concurso 1, 2, 3) e provava, desde logo, ser muito melhor contador de histórias do que a maioria dos seus contemporâneos – são dele Abre Los Ojos e The Others, capítulos indispensáveis do terror na transição do século XX para o XXI. Antes, em 1996, Amenábar estreia-se com um orçamento de 116 milhões de pesetas (trocos!) com um filme de terror que é também um filme sobre filmes de terror. Tésis denuncia aquela tesão de mijo que se torna gloriosa se não for mal direccionada (e como sabemos o quão imprevisível é a direcção assistida da urina!) e, ao contrário de Aléx de La Iglesia, Amenábar não está constantemente a reavaliar o processo, incutindo-lhe comicidade ou alívio sardónico. Pelo contrário, torna-o mais sinistro e misterioso. Ángela (Ana Torrent) é uma estudante universitária de cinema (apesar de parecer tia da maior parte dos seus colegas) com uma missão: pesquisar material para uma tese sobre violência no audiovisual. Faz-se amiga de Chema (Fele Martínez), geek desajeitado com uma colecção fastidiosa de filmes violentos. A acção dá duas ou três voltas (não querem que contemos tudo, certo?) e, a dada altura, Ángela vê-se com uma terrível cassete de vídeo em mãos, objecto capaz de comprometer a reputação (e o cadastro) de outro estudante. Trata-se de um filme snuff em que a vítima (torturada até à morte) é uma antiga universitária. A curiosidade de Ángela, o surgimento em cena de uma personagem dúbia (Bosco, interpretado por um jovem Eduardo Noriega), e a evidência cada vez maior do que uma rede de snuff movies pode partir de dentro da própria escola, faz avançar uma história sem fogo-de-artifício, mas com as agulhas a picarem os nervos certos. O cagaço espanhol e Amenábar seriam, a partir daí, generosos na oferta, mas não há terror como o primeiro: Tésis é funesto, acutilante, terrífico. É tesão da boa.

(publicado originalmente na edição de Maio de 2012 da revista Loud!)

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