terça-feira, 2 de abril de 2013

Sinister (2012)

Diz a história recente do cinema de terror que depois do «esgotamento» do filme slasher, a meio dos anos 80, o cagaço na tela passou a ser discreto, tímido e envergonhado, só se recuperando com o comic relief de Scream a meio da década seguinte. Várias teses se levantam para este deserto de praticamente dez anos, mas gostamos desta: o espírito doidivanas do filme slasher, sempre afoito à catanada, inalação de charro e exibição despudorada de maminhas ao léu, levou a sua própria machadada quando o mundo lá fora começou a ficar sério. Divertimento de pipoca na boca não deveria misturar-se com questões então prementes como a fome na Etiópia ou, tocando no busílis, o descontrolo da epidemia da sida (a meio dos anos 80 já não apenas um «exclusivo» das saunas de São Francisco). Mas a verdade é que tudo isto fez mossa – e não só no lado americano; também no Reino Unido, em vigência Thatcher, se criou um índex para videoclubes (precavendo a juventude contra os chamados video nasties). Apontava-se, então, uma ligação entre a leviandade do cinema de terror e a decadência moral da sociedade. Depois vieram os videojogos e a culpa passou a ser repartida. Na altura em que escrevemos estas linhas, desconhecemos o desfecho do caso Pistorius, mas suspeitamos que a nova Playstation não se vai poupar em first person shooters. E acreditamos numa coisa: não foi só o «pecado» a fazer desaparecer a cinematografia de terror (da mesma forma que a sífilis não refreou a produção de filmes pornográficos); houve também uma decadência natural motivada pela redundância de uma fórmula que era novidade em 1980, mas que já tinha decepado todos os crash test dummies um par de anos depois. No final dos anos 90, The Blair Witch Project fazia outra coisa: criava condições para o cagaço sem a carga meta-referencial que fez de Scream um filme de miúfa amorosa, daqueles em que o susto se auto-celebra. No boom da internet, gravações em VHS eram já vestígio de outros tempos – e tudo o que é obsoleto, de bonecas de louça a um relógio de cuco, tem condições para fomentar a mais genuína cagufa. Este apelo do vídeo amador, do falso real, do «poderia ter acontecido consigo» sustentou (e ainda sustenta, veja-se a saga Paranormal Activity) bilheteiras em tempo de carestia. Sinister, exibido o ano passado, envereda pelo mesmo filão mas tem outro requinte, até por recuperar o tabu dos filmes snuff. Vemos imagens em Super 8 de uma família de quatro pendurada numa árvore, com capuzes enfiados nas cabeças e cordas à volta dos pescoços. Algum tempo depois, Ellison Oswalt (Ethan Hawke) – escritor de livros baseados em crimes reais – muda-se para a casa da família assassinada com mulher e dois filhos. De início, os entes queridos desconhecem que foi no quintal das traseiras que tudo se passou. A tensão é ultrapassada pela paciência da mãe e, sobretudo, pela confiança que, inicialmente, Ellison mostra na sua investigação. Mas este é daqueles casos em que, a cada desenrolar do novelo, a clarividência do protagonista se vai degradando ao ponto de Ellison ser, a certa altura, escravo do «monstro» que criou, atiçado por um projector e uma série de fitas de 8 milímetros encontradas no sótão onde se vêem etiquetadas datas distintas (1966, 86, 79, 98, 2011) e situações também diferentes (traduções livres: «Durante o sono», «Churrasco», «Festa na piscina», «Ceifeira debulhadora» e «Família pendurada»). Sinister – melhor elogio será difícil – faz jus ao título. Ethan Hawke exagera, aqui e ali, nos esgares de «estou a ficar avariado da caixa dos pirolitos», mas ao cabo de 110 minutos não só já mordemos o lábio uma série de vezes como nos colocamos, paulatinamente, as interrogações da ordem – como nos melhores filmes do género. No fim, o desconforto. Sinistro, funesto, próprio de um cagaço de boa colheita.

(publicado originalmente na edição de Março de 2012 da revista Loud!)

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