segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

The Wicker Man (1973)

Não somos fanáticos do trivia gratuito, mas se dizemos, sem que nos perguntem, que Vítor Paneira – antiga glória do meio campo do Benfica – nasceu na freguesia de Calendário, Vila Nova de Famalicão (e carregamos esta cruz desde meados dos anos 80), é compreensível que informação mais valorosa se nos aloje na mente sem esforço. Ocorre-nos que O Exorcista, o bastas vezes evocado filme de William Friedkin, cumprirá em 2013 respeitáveis 40 anos. Mas esta é fácil, dirão vós, cientes de que este atemorizante festim de cagaço foi o filme mais lucrativo estreado no ano da graça de 1973 (e um cromo requisitado desde então). Não desejamos propriamente acender um fósforo na completa escuridão, mas não nos passaria pela cabeça escrutinar (mais uma vez) um filme que dá capas de livros e inesperadas imagens finais de enganadores filmes de gatinhos no Youtube. A curiosidade não nos leva mais longe, mas desvia-nos da auto-estrada, como qualquer «wrong turn» que acabará, mais cedo ou mais tarde, por dar sarilho. E é por altura que recordamos 1973 como um ano em que os títulos de terror puxavam pela gritaria, continuavam a explorar o mistério pueril (bebés do demónio, ainda inspirados por Rosemary’s Baby), e retomavam manobras iniciáticas com lobisomens, canibais, vampiros e zombies (alguns deles cegos, como os do galego Amando de Ossorio), tudo malta amiga que o filme slasher trataria, alguns anos depois, de despachar para sítio incerto. Particularmente inspirados e com uma fleuma impossível de reproduzir do outro lado do Atlântico, os ingleses prosperavam. A Amicus e a Hammer produziam filmes em barda (alguns de cordel, outros que nos arrepiam até hoje), mas nada faria prever que de portas a bater com o vento (e uma ou outra assombração) passássemos para uma ilha nas terras altas escocesas com hábitos completamente estranhos à rigidez da «mainland». The Wicker Man, realizado por Robin Hardy sob argumento de Anthony Shaffer, é a estranheza em forma de filme – e também a prova de que um cenário inverosímil pode tornar-se tão fiável como os cogumelos em lata do almoço de hoje. Neil Howie (Edward Woodward), polícia, recebe uma carta anónima: pede-se-lhe que vá a Summerisle, ilha fértil, onde uma rapariga se encontra desaparecida há meses. E lá vai ele, desconhecendo que a ilha se rege por um culto pagão que aceita que os casais tenham sexo nos campos, que as crianças venerem um gigante símbolo fálico, e que abocanhar sapos é bom para a tosse. Inicialmente cativado pelas belezas locais (sim, há nudez; sim, há Britt Ekland), Howie cedo percebe que nada consegue sacar aos nativos e nem a mãe da menina desaparecida parece existir. O líder da comunidade, Lord Summerisle (quem mais, se não Christopher Lee?!), mantém-no debaixo de olho. As suspeitas avolumam-se e, mais adiante, se aquilatará que a festa que celebra a boa colheita não é só imbuída de bons espíritos, danças patetas ou música lunática (a esse propósito, realce para «Willow’s Song», de Paul Giovanni com os Magnet, folk psicadélica tão dissimulada como uma boneca de louça inanimada). À medida que o novelo se desenrola, entendemos que não há como voltar atrás: Howie está irremediavelmente enredado nas pistas que vai recolhendo, a ilha vai tratando de o dirigir para o precipício. Um e outro concorrem, com ânimos distintos, para um desenlace desconcertante e sinistro. Não há exorcismos, crianças possuídas ou a trinca marota do Drácula: Summerisle despeja-nos a colheita toda em cima – e mais não dizemos. É muita fruta.

(publicado originalmente na edição de Janeiro de 2012 da revista Loud!)

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