quarta-feira, 7 de março de 2012

Confessions / Kokuhaku (2010)

Que a vingança é um assunto assaz querido à cinematografia de terror oriental (dois países à cabeça: Japão e Coreia do Sul), qualquer domingueiro do cagaço já terá percebido – ou isso ou então temos tido uma pontaria desgraçada desde que, mais ou menos a meio da década passada, passámos a enfardar traulitada proveniente destes vizinhos banhados pelo Mar do Japão. A vingança no cinema destes países é uma instituição e tanto pode ser apanágio de seres que respiram o mesmo ar do que nós (e que se querem vingar de quem lhes riscou o carro), como de almas penadas que, no seu tempo de vida, foram atazanadas sem piedade por aqueles que agora serão perseguidos. Complicado? Muito menos do que decorar os nomes deles. Estar vivo é, aqui, o contrário de estar morto, como diria certa sumidade do reumatismo nacional – e é também o pormenor que permite saber quem é o protagonista (ou através de que ponto de vista vamos conhecer a história). Se estiver vivo, seguiremos os passos da personagem que andar à procura de quem lhe fez a vida negra, torceremos por ela e vamos dizer-lhe para se manter afastada de objectos cortantes ou ampolas com ácidos marados; se estiver morto, aparecerá ocasionalmente em flashes aterrorizadores, mas deixará o melhor (é como quem diz) do filme para o infeliz que descobrir aos poucos por que razão apareceu agora um fantasminha que lhe quer morder os calos (normalmente por causa de um azar na escola que acabou com alguém a ir desta para melhor). Variações criativas desta matriz correram bem ao sul-coreano Park Chan-wook, autor da trilogia sagrada do ajuste de contas, Sympathy for Mr. Vengeance (2002), Oldboy (2003) e Lady Vengeance (2005). Louvar a criatividade é dupla parabenização: há bom cinema, não haja dúvidas, mas também há um leque multifacetado de recursos à disposição de quem pretende (e ó se pretende) infligir dor no outro. Há uma abordagem profana do terror barroco: não é chegar, mocada no cachaço e tenho onde estar às duas e meia; pelo contrário, segue-se uma receita, um itinerário macabro, um roteiro minucioso com uma tendência inevitável para acabar em mal (atente-se que estamos a falar do cinema que nos ensinou a retirar um rim sem precisar de mandar o resto do corpo para o galheiro). Confessions (ou Kokuhaku, do japonês Tetsuya Nakashima) investe na temática da vingança, transportando-a para a sala de aula de uma escola secundária (vem-nos à memória a saga sul-coreana Whispering Corridors). Vemos alunos excitados e uma professora surpreendentemente calma. Ela conta a sua história: a vida corria-lhe bem até ao dia em que a filha aparece morta, afogada numa piscina. Pelas palavras da professora (e mãe), percebemos que a tragédia não é acidental e os presumíveis responsáveis – dois alunos – estão ali mesmo, na sala de aulas, à sua frente. A certa altura, julgamos que há um filme por acontecer, que o preâmbulo está feito e daí partiremos para a trivial reconstituição dos acontecimentos. Sim, tudo isto é verdade mas nunca se sai da narração na primeira pessoa: a vingança (porque há uma, claro) é desenrolada como um novelo, entrelaçando-se as linhas apenas para que tiremos o pulso à dimensão das outras personagens. Como em outros casos vizinhos, há um hiper-terror a que temos de nos adaptar – a vingança, para estes amigos do cagaço, não é um jogo de chinquilho que se adia porque está a chover; é coisa para picar o miolo. Damos por nós a pensar que «já chega, deixa lá isso», mas não nos é oferecido consolo em troca nem uma ténue esperança de escapatória. Esta vingança não é para meninos e mesmo nós já olhámos para trás para ver se vem gente.

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