quinta-feira, 15 de março de 2012

The Tunnel (2011)

Iscas de fígado podem ser feitas, essencialmente, de duas maneiras: fritas em cebolada ou grelhadas com uma discreta pitada de sal. Por aqui recorre-se ao órgão hepático alheio quando passa da hora de jantar e a alternativa resume-se a conservas de sardinha em molho de tomate. Geralmente, grelha-se porque demora menos – o objectivo de nos entregarmos a este eterno inimigo do consenso (ainda assim, a causar menos repugnância do que o bucho) é, mais do que lambermos os beiços de prazer, não perder o mesmo tempo que uma refeição complicada de confeccionar deverá requerer. Isto é, mata-se a fome porque é preciso. The Tunnel (Carlo Ledesma, 2011) estará para as iscas de fígado como O Labirinto do Fauno para os filetes de polvo com arroz do mesmo. Com o primeiro matamos a fome (de cagaço) num instante, cumpre-se a função sem mais delongas; o segundo é como aquela refeição que nos fica na memória (e a trabalhar no estômago) e não tem propriamente uma finalidade (além de gerar satisfação). The Tunnel é também um descendente de Blair Witch Project, fita «novelty» que nos prendeu a um cadeirão do Monumental em 1999 e que – intencionalmente ou não – nos fez recordar que o medo do escuro pode ser uma coisa muito mais sinistra do que os pedopsiquiatras bonzinhos querem fazer crer. Por aqui, assume-se a fraqueza (ou a disponibilidade ingénua para ser acagaçado): há dias em que acender as luzes ao longo do corredor é boa ideia (especialmente depois da meia noite); e ainda não recuperámos daquela tarde nos labirintos subterrâneos da Quinta da Regaleira em que só flashes constantes da câmara fotográfica nos salvaram do passo em falso. Doze anos depois de Blair Witch, o potencial de medo é discutível e o êxito de um sucedâneo está, sobretudo, dependente das abébias que estamos dispostos a dar. Dar uma hipótese a The Tunnel é aceitar entrar no jogo, é aceitar passar por cima de uma história corriqueira – projecto governamental envolto em suspeitas e equipa de repórter e cameramen que se põe a caminho sem ninguém saber. A carnificina (estavam à espera de quê?) decorre numa rede de antigos túneis de caminhos-de-ferro debaixo da cidade de Sydney, e o espectador, à semelhança do que acontece com Blair Witch Project, não vê muito bem o que acontece (mas fá-lo na perspectiva do infeliz que carrega a maquinaria). Primeiro segue-se em frente, depois chega a altura de fugir. Primeiro o optimismo, depois o arrependimento. É como comer fígado ao jantar.

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