segunda-feira, 5 de março de 2012

Lake Placid (1999)

Fazer amigos entre os animais. Quem, como eu, tiver mais de 125 anos, lembrar-se-á de onde vem este slogan. Era do concurso Arca de Noé, apresentado por Fialho Gouveia nos anos 80, tempos em que a RTP corria sozinho pela atenção das bandas VHF e UHF dos televisores Grundig. Por aqui, gosta-se de animais e há um gato ali a roncar no sofá que não nos deixa mentir. Mas no que toca ao cinema do cagaço, não há como não duvidar da bicharada. Nem vou falar – por cagufa, claro – do irascível cão nazi (White Dog) ou sequer recordar a macaca psicótica que tramou a vida de um cidadão paraplégico (Monkey Shines), muito menos a gataria nefasta do cinema do oriente (aranhas e cobras não valem; já não são boa rês na vida real). Repare-se que nos exemplos anteriores precisámos de rebuscar adjectivos, algo que se torna inútil quando os nossos vilões são – vamos ao que interessa – crocodilos. No cinema de terror, um cão precisa de ser treinado para ser bandido, um macaco só podia mesmo estar com a medicação trocada para ter feito o que fez; crocodilos, por sua vez, estão a ser apenas crocodilos. Nada contra o corpulento (e, dizem os documentários sobre vida animal, algo limitado intelectualmente) animal residente em lagos e pântanos por esse mundo fora. Temos até alguma simpatia por aligátores que insistem em esconder-se atrás de guarda-fatos de moradias na Flórida – querer fazer xixi fora de água é um avanço civilizacional que o aligátor reclama há séculos, não obstante a indiferença do humano. Mas há que reconhecer que filmes com crocodilos vão todos dar ao mesmo, ou – no máximo – a dois desenlaces possíveis: o triunfo da besta sobre o cidadão incauto, ou uma carrada de postas de carne de crocodilo a espalhar-se, em câmara lenta, sobre a superfície de águas turvas. Talvez por isso, confundo quase todos os filmes de terror com crocodilos e a prova é que queria falar-vos de Lake Placid (1999, de Steve Miner, realizador das partes 2 e 3 de Sexta-Feira 13) e, até há minutos, estava a pensar na história do Rogue (2007, de Greg Mclean). Desfeitas as dúvidas (o truque foi pensar em qual entraria Bridget Fonda), chegamos a Lake Placid, terreola perdida na América profunda onde, evidentemente, um lago com o mesmo nome é o centro das atenções. Nele, reside uma criatura gigante com apetite voraz por carne humana que se torna um «case study» de várias partes concorrentes: há o xerife local (Bill Pullman), sujeito habituado a resolver as coisas à sua maneira; uma paleontóloga (Bridget Fonda) da cidade grande que para ali é enviada para «esquecer» um desaire amoroso, e um curioso dos crocodilos (Oliver Platt) com uma agenda própria (e um modus operandi temerário). O que surpreende (mas também desmotiva) em Lake Placid, por oposição a quase todos os outros filmes com o qual o confundimos, é uma toada humorística algo recorrente na cinematografia do cagaço dos anos 90, habitualmente tida como reacção apaziguadora aos pretensos excessos da década anterior (discordamos: adoramos a rebaldaria dos anos 80). É possível misturar terror com humor, mas o equilíbrio é dinamitado quando, pelo meio, se metem crocodilos, uma parelha que anda às turras (Pullman e Fonda) e até uma das velhotas do Sarilhos Com Elas (Betty White): vai-se o medo todo pelo ralo e ficamos com um filme de aventuras em que, mais do que querermos saber se o crocodilo é ou não pré-histórico e nos vai mastigar a todos, nos deixamos entrelaçar pelos movimentos de repulsa e atracção dos protagonistas (será que eles se vão beijar, será que ele vai salvá-la num momento de aflição, será que no fim ela volta para o amor antigo, em Nova Iorque?). Ou seja, contratámos um filme de terror e entregaram-nos uma pizza com extra-queijo. Comemo-la, claro, mas ficou a pesar no estômago (a nós e ao crocodilo).

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