quinta-feira, 1 de março de 2012

Kill List (2011)

Quando o cinema de terror quer reflectir sobre si mesmo, faz-se um filme em que há uma personagem meio freak que conhece os códigos e as manhas do género, em 75% dos casos trabalha num videoclube (R.I.P.), cita exemplos obscuros com pinta de connoisseur (eu atiro o Xtro para o ar e, nota mental, acho que vou mesmo acabar por vê-lo), vai analisando tudo o que mexe (especialmente se forem cómodas de mogno com bicho-carpinteiro), fala em torrentes nervosas como um jovem Woody Allen a braços com uma praga de traças, e, para os pontos retro extra (mas também para chegar a toda a gente), exibe um poster do Massacre no Texas ou do Sexta-Feira 13 (os originais) na parede do quarto. Apesar de ter um pentagrama que brilha no escuro e uma primeira edição autografada do Livro dos Mortos, esta personagem-fã modelo costuma ser um caguincha quando é a doer, mas está ali para mostrar que o realizador sabe que nós sabemos que ele sabe da poda (ok, eu páro com isto). Não desgosto desta auto-reflexão e acho benéfico que o cinema de terror faça terapia. Infelizmente, tirei um curso parecido com comunicação social – as minhas estratégias de convencimento pararam na psicologia invertida (mesmo assim troco-me todo) e, para acabar de vez com o romantismo, quando quero reflectir sobre o cinema de terror, abro um ficheiro Excel onde tenho a filmalhada toda desde que comecei a «dar nisto». É útil especialmente para evitar comprar o mesmo filme duas vezes naqueles surtos nocturnos na secção «é quase dado» dos sites de venda online do costume. Mas também para ver coisas tão inúteis como quantos filmes uruguaios assisti no ano passado (1), qual o ano da década de 70 mais contemplado (1978), ou a nota mais baixa no IMDb (é um 2.5 e por aqui me fico). Todo este preâmbulo para vos dizer que quando tropecei no título Kill List (Ben Wheatley, 2011, Reino Unido, 6.2 no IMDb, segundo o meu estimado cagaço_e_outros.xls) concluí, com propriedade, que já não via um filme com «List» no título desde a A Lista de Schindler – é triste, mas é nisto que um agarrado (ao cagaço e à cerveja belga) pensa. Como ocupei a cabeça com entulho, atirei-me a Kill List sem a repérage aconselhável e – fatalidade – não encontrei propriamente uma lista de supermercado. Britânico – e a notar-se por todas as costuras – Kill List é daqueles filmes que não conseguimos mandar abaixo, não obstante as atrocidades cometidas sobre terceiros, os cerebelos esfrangalhados, a cacetada em ossos doridos, o rebentamento de órgãos vitais a partir do exterior. Jay (Neil Maskell) é um marido instável e um pai falhado. Como se não bastasse, é um mercenário frio, eficaz e despachado, que não pensa duas vezes antes de esmigalhar a mioleira alheia. Às suas mãos (e de um compincha) chega uma nova missão: aviar sem soluços uma catrefada de cidadãos de reputação duvidosa. Jay não vacila, mesmo quando as vítimas se põem a esgatanhar pela vida. Até que... O filme decide-se, obviamente, nesse abanão maroto que a decência manda aqui omitir. Ben Wheatley, rapaz com experiência em televisão, não é panorâmico nem metafísico; vai directo ao osso (literalmente) e sabe que não tem mais de hora e meia para fazer a festa (isto é um elogio) e usar todo o conteúdo da caixa de ferramentas. Como somos gente dada a gratuitidades, não perguntamos porquê. Até porque ele não nos vai responder. Mas gostamos, vamos ao Excel e anotamos: «dizer bem».

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