terça-feira, 27 de março de 2012

Missing / Sil Jong (2009)

Há uns anitos era ver-nos de cabeça enfiada naquelas piscinas de DVDs do Media Markt, onde cabem películas inenarráveis (e outras com o Steven Seagal na capa) e um sem-número de filmes infantis, enfeitiçados que estávamos pelas palavras mágicas «a partir de». A seguir vinha uma cifra em euros suficientemente baixa para nos fazer sujar as mãos – e acreditamos que alguma da poeira que depois retirávamos debaixo das unhas já ali estava desde a primeira vez que Jason Voorhees tirou o sarro a uma catana. Os erros eram comuns: primeiro, porque comprávamos filmes «a olho» (e isso explica, por exemplo, Forest of the Damned); depois, porque não era raro chegarmos a casa com uma pechincha «optimizada» para ecrãs 4:3 (o ecrã quadrado dos antigos televisores); por fim, porque comprávamos «ao quilo», gastando numa pilha de filmes inúteis o mesmo que poderíamos despender numa aquisição realmente valorosa. Poderia agora dizer que o tempo e a experiência me fez bem, que apurei o instinto, que me tornei um consumidor responsável, mas estaria a mentir com tantos dentes quantos os de Chucky quando nos pede amizade. Agora adepto do comércio online, faço ainda pior, tornando o que era antes um ingénuo hábito de «digging», prática autorizada pelo livro de estilo do coleccionismo (não obstante a parca higiene da tarefa), numa tendência compulsiva para a compra metódica. Paradoxo? Eu explico. Trata-se da compra que obedece a um único critério: a colocação do preço por ordem crescente. Começa-se no euro e pouco e vai-se subindo, galgando mono atrás de mono, escarafunchando no entulho, sempre na esperança de encontrar o que falta. Como «o que falta» não aparece, vai-se comprando o que não falta. É uma tragédia a que assistimos, impotentes, na condição de protagonista. Missing (Sil Jong, no original sul-coreano, de Kim Sung-Hong) apareceu-me assim, sem agasalho, tremeliquento e choroso, a pedir uma mão amiga. Dei-lhe 6 euros e pouco e trouxe-o para casa. Agradecido, não demorou a atiçar-me: na capa lê-se qualquer coisa como «a fazer jus a Sexta-feira 13». Conta-se a história de uma jovem actriz que vai de viagem para o campo na companhia de um realizador, esperando que este lhe dê o papel que tanto deseja. Os dois resolvem parar para comer uma sopa de galinha e são recebidos por um homem de meia idade, feliz proprietário de um rottweiler e de uma série de barracões propícios ao encarceramento de inocentes. Não é preciso dizer que a personagem masculina passa rapidamente à história e a bela Jeon Se-hong (a actriz) fica à mercê da caixa de ferramentas deste nosso «redneck» sul-coreano. Até que a irmã da actriz (Chu Ja-Hyeon), também ela bem parecida (mas um número abaixo, pormenor que se revelará importante) se põe a caminho para ver o que se passa. A existência desta segunda etapa (primeiro uma irmã, agora a outra) incute um valor acrescentado a Missing, fita que ameaça ser daquelas intermináveis sessões de tortura, mas que até economiza na ostentação do sofrimento (qualquer visita ao dentista será mais explícita) e vinga quando nos conta a história do gato e do rato. É a prova de que assomos consumistas de madrugada podem, às vezes, dar bom resultado. Mas não diga que vai daqui.

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