terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

See No Evil (1971)

Atirem-me um cutelo ferrugento se estiver enganado, mas creio que o cinema, em geral, nunca mostrou grande apreço por personagens invisuais. Existem, mas cumprem uma função adjuvante – dão pistas ou instruções (mas nunca do género «vestia um anorak castanho claro, suba ali a colina que ainda o apanha»), surgem para causar desconforto a terceiros (que, obviamente, ou exageram no ignorar da deficiência, ou fazem tudo para sublinhá-la), ou então socorrem-se daquele aparato habitualmente desprezível que denominarei de detonador de lágrima. Até no cinema de terror, titular de um código próprio, as coisas não são radicalmente diferentes: a personagem cega não é a primeira a dizer «vão sem mim que eu não vou lá ter» (contexto atribuído, habitualmente, a tipos que têm o azar de ver o peroneu trespassado por estacas), mas é como se nos quisesse dizer isso. Protagonistas de óculos escuros e bengala – olha a graçola – nem vê-los. A opção é compreensível num género em que visões demoníacas são o prato do dia e não dá jeito nenhum ter um protagonista que não vê nada. Há excepções, tanto no cinema «em geral», como no do cagaço: Audrey Hepburn avia uma série de malfeitores nesse exemplar thriller de desencontros chamado Wait Until Dark, de Terence Young (1967); Karl Malden também não se sai mal no misterioso Il Gatto a Nove Code, de Dario Argento (1971); e Mia Farrow também livra o coiro – sabe Deus como – em See No Evil, de Richard Fleischer (1971), que em alguns territórios, para facilitar, se chamou Blind Terror. A pequenita Farrow, 1 metro e 63 centímetros de gente, aqui com 26 anos mas a parecer 18 (uma evolução face à aparência de 12 em Rosemary’s Baby), faz de Sarah, rapariga que perde a visão na sequência de um acidente de cavalo e que passa a viver com os tios e uma prima numa casa de campo. Acontecem, claro, coisinhas más e não demoramos muito tempo a perceber que entre os entes queridos não há um que não tenha quinado às mãos de um vilão sanguinário. Ela lá anda, pé ante pé, para não acordar ninguém – com sucesso, porque não acorda, de facto, ninguém. Nós vemos tudo, ela não. E se já costumamos dar instruções «para dentro do relvado» quando eles estão artilhados, então aqui entramos pelo campo adentro e quase agredimos o árbitro. «Não batam mais na ceguinha» seria aqui a piada fácil. Mas nem vamos usá-la porque Sarah safa-se bem, como no cinema.

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